Artigos de Opinião

José Saldanha Matos: “A Drenagem da Cidade no Século XXI”

José Saldanha Matos,
Professor Catedrático do IST-UL, Investigador CERIS, Sócio gerente da HIDRA

A prática e abordagem tradicional de promover a dre­nagem de águas residuais e pluviais em meio urbano perdura, na Europa, há cerca de dois séculos.
O modelo da cidade europeia, com as suas vias pavi­mentadas, lancis, sarjetas, redes de abastecimento de água, de águas residuais e pluviais, canalização de li­nhas de água, e redes de instalações elétricas e de co­municações, revela um padrão dominante que ainda se encontra bastante vulgarizado na atual “bonita cidade moderna”.

E as cidades expandiram-se e desenvolve­ram assentes na rede de serviços que esses sistemas de infraestruturas criticas (“life lines” na terminologia anglo-saxónica”) proporcionam.

No entanto, a expansão das cidades, as alterações dos padrões de consumo, as alterações climáticas, a escas­sez de recursos, a crise económica e a pressão ambien­tal tem tido lugar a um ritmo que parece tornar toda a problemática da gestão da drenagem e destino final dos efluentes da cidade uma missão cada vez mais comple­xa, onerosa e desafiante, não compatível com os antigos modelos de resposta, em termos de prestação de servi­ços.

Mudou o “espirito do tempo” e a nova “sociedade” requer, para além de um adequado desempenho das infraes­truturas em termos de proteção da saúde pública e do ambiente em geral:

a) Maior eficiência das soluções, no que se refere à uti­lização de recursos;
b) Investigação e desenvolvimento de novas aborda­gens, centradas na sustentabilidade;

c) Nova arquitetura das soluções de engenharia, com articulação com outros setores;
d) Procedimentos de gestão e decisão transparentes e participados.

Mesmo nos países desenvolvidos, as di­ficuldades de um desenvolvimento sus­tentado revelam-se frequentemente em aspetos como a degradação de meios re­cetores, a ocorrência de inundações, epi­sódios de libertação de odores ofensivos ou atmosferas tóxicas ou corrosivas, ou custos agravados para suportar os servi­ços.

Os aspetos anteriormente referidos re­fletem problemas preocupantes, dado que não são em regra passíveis de ser re­solvidos de forma eficaz recorrendo aos procedimentos tradicionais de execução de coletores cada vez mais longos e que descarregam em Estações de Tratamen­to de Águas Residuais (ETAR) cada vez mais amplas, complexas e com maiores exigências em termos de competências de operação e manutenção.

Nesse quadro, e em áreas com baixas densidades de ocupação, tem ganho ex­pressão abordagens mais descentraliza­das, com drenagem e tratamento locais, e com soluções de base natural, pouco exi­gentes em termos de consumos de água, energia e materiais, e pouco exigentes em termos de competências de opera­ção. Entre essas soluções incluem-se as de lagunagem e de leitos de macrófitas ou fito-ETAR. As soluções de tratamento de águas residuais no solo, por infiltração rápida, infiltração lenta ou escoamento superficial, também se podem conside­rar como soluções de tratamento de base natural.

No caso das águas pluviais, o panorama geral é análogo. As soluções de cariz ex­clusivamente centralizado, com trans­porte de caudais a longas distancias agravam, em regra, os custos de insta­lação e a magnitude de prejuízos eco­nómicos, sociais e ambientais no caso de eventos extremos de precipitação, se não forem articuladas e complementa­das com outro tipo de soluções.

Novos paradigmas, ou seja, novos modos e formas de pensar, têm vindo progres­sivamente a ganhar relevo, com impacte no planeamento das intervenções. Nes­sa ótica, constituem palavras chave: as soluções verdes e as soluções de contro­lo na origem de águas pluviais; a susten­tabilidade, em que se dá naturalmente ênfase à preservação de recursos ener­géticos, de matérias primas e de mate­ riais; a resiliência dos sistemas, no sen­tido da celeridade de recuperação das suas funções perante eventos extremos, e a consulta e participação pública, como aspeto relevante de suporte à tomada de decisão.

Nos últimos 5 anos foi expandido, no âm­bito da International Water Association (IWA), o conceito de cidade consciente na gestão da água, ou cidade hidro-sen­sata (em terminologia anglo-saxónica “water-wise cities”). Um comportamento hidro-sensato significa que a cultura, a preparação das decisões, a capacidade profissional e a inovação tecnológica se encontram alinhadas com o objeti­vo comum de potenciar e maximizar os resultados de uma gestão eficiente e sustentável da água, de forma inclusiva, nas suas dimensões económica, social e ambiental.

Outro conceito relativamente recente, é o da “cidade-esponja”. Embora este con­ceito seja recente, as técnicas a que re­corre são conhecidas há muitas décadas. Entre essas técnicas incluem-se, por exemplo, os telhados e paredes verdes, os pavimentos drenantes, as trincheiras filtrantes, os poços absorventes, os par­ques alagáveis e as bacias de retenção com toalha de água permanente. As técnicas alternativas apresentam, relativa­mente às soluções tradicionais de rede de coletores enterrados, importantes vantagens, mas exigem, em contrapar­tida, uma abordagem diversa em termos de conceção, uma nova atitude em ter­mos de diálogo e articulação com ou­tros agentes da intervenção urbana, um conhecimento claro das suas limitações e, consequentemente, dos respetivos do­mínios de aplicação e de exclusão.

Muitas vezes, em face das diferentes ti­pologias urbanas e dos seus condiciona­lismos e restrições, a solução recomen­dável para a drenagem urbana de águas pluviais passa por combinar soluções verdes, baseadas em retenção e infiltra­ção, com soluções “cinzentas”, baseadas em transporte das águas a destino final, com sistemas contínuos de monitoriza­ção e de aviso e alerta, que permitem à cidade ficar mais adaptada à incerteza climática e também mais sustentável, em termos da qualidade dos serviços que proporciona.


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