Artigos de Opinião

Rui Novais: “A sustentabilidade e a circularidade dos materiais: pré-requisitos para a neutralidade climática”

Rui Novais,
Investigador no Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica / CICECO, Universidade de Aveiro

Apesar do esforço global e sem precedentes para reverter os impactos associados às alterações climáticas um estudo recente das Nações Unidas mostrou que as causas e os impactos de tais ações estão a acelerar e não a abrandar. A humanidade tem utilizado os recursos naturais do planeta de modo crescente, não considerando a sua finitude, nem as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) que derivam da sua extração, processamento, transporte e utilização. A emergência climática que enfrentamos requer a adoção premente de estratégias disruptivas que permitam atingir as ambiciosas metas definidas pelo Acordo de Paris (limitar o aumento da temperatura média global a 2,0 ºC acima dos níveis pré-industriais). Dados da Organização Meteorológica Mundial indicam que a temperatura média global em 2020 foi 1,2 ºC superior por comparação com o nível pré-industrial, o que mostra a necessidade de implementar medidas excecionais para cumprir as metas estabelecidas. É fundamental redesenhar o futuro, redefinir conceitos de propriedade, construir sociedades mais resilientes, desmaterializadas e descarbonizadas, e este processo implica uma mudança radical de paradigma na forma como encaramos os recursos e as tecnologias. Por esse motivo, a descarbonização das sociedades sempre foi encarada como uma quimera. Contudo, os tempos inquietantes que vivemos, assolados pela pandemia do covid-19 e pelo confinamento a que parte significativa da população mundial foi submetida, teve o condão de mostrar que a mudança de hábitos enraizados há décadas está afinal ao nosso alcance. Nos primeiros meses da pandemia assistimos a um decréscimo acentuado das emissões dos GEE, e dos inegáveis benefícios em termos ambientais que daí derivaram. O carácter temporário das limitações impostas à circulação, e por consequência do corte nas emissões de GEE, não será suficiente para mudar a atual trajetória de aumento da temperatura média mundial. Ainda assim, as sociedades estão agora mais conscientes e suscetíveis para a necessidade de nos realinharmos com o planeta Terra, o que passará por uma criteriosa seleção dos materiais a adotar na construção das novas sociedades.

O setor da construção, dada a sua magnitude em termos de emissões e consumo de energia, deverá assumir um papel vital na transição para a neutralidade climática. Na União Europeia os edifícios são responsáveis por cerca de 36% das emissões antropogénicas de CO2 e 40% do consumo de energia, mostrando que não é possível combater e mitigar as alterações climáticas sem promover alterações significativas neste setor. A utilização de materiais de menor pegada de carbono, o desenho de estruturas/componentes multifuncionais, de fácil reciclagem e superior durabilidade, são algumas das estratégias que poderão reajustar o setor às exigências do paradigma de economia circular, contribuindo de forma superlativa para uma rápida transição para a neutralidade climática das economias.

A circularidade dos materiais é um pré-requisito fundamental para assegurar a descarbonização do setor da construção e simultaneamente aumentar a resiliência da União Europeia no que a matérias-primas diz respeito. A conservação dos recursos na economia implica uma redução da extração de matérias-primas virgens com óbvias mais-valias ao nível da diminuição da energia incorporada dos produtos. Os resíduos industriais, mormente encarados como um fardo, devem assumir um papel de relevo como matéria-prima secundária de modo a aliviar a pressão sobre os recursos naturais e, simultaneamente, garantir uma cadeia interna de abastecimento de matérias-primas para a União Europeia. Manter os recursos na economia implica a implementação de uma profunda sinergia/simbiose industrial que vise a partilha de recursos e conhecimentos, onde o resíduo de uma indústria será a matéria-prima de outra, e onde no final todos os intervenientes beneficiam. Dados recentes indicam que em 2020 a economia global foi apenas 8,6% circular, mostrando que muito do potencial do novo paradigma para a economia ainda permanece inexplorado. No que diz respeito à construção é crucial desmaterializar e descarbonizar este sector. É necessário maior eficiência na utilização dos materiais, o que aliado ao aumento do tempo de vida do parque edificado poderá contribuir para diminuir o fluxo de materiais virgens utilizados nas construções. A descarbonização assume duas vertentes chave: o aumento da eficiência energética dos edifícios e a utilização de materiais de muito menor energia incorporada. Cerca de 75% do atual parque de edifícios na União Europeia é ineficiente do ponto de vista energético, e urge encontrar soluções inovadoras que permitam aumentar o desempenho energético, e ambiental, dos edifícios.

Na Universidade de Aveiro desenvolvemos novos materiais e soluções multifuncionais, intrinsecamente sustentáveis, para dar resposta às solicitações dos nossos parceiros industriais. Materiais preparados usando tecnologias verdes, sintetizados à temperatura ambiente e utilizando resíduos industriais como matéria-prima. A incorporação sistémica de materiais multifuncionais e de baixa pegada de carbono na reabilitação do parque de edifícios e em novas construções será uma estratégia crucial para atingir a neutralidade climática.


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