Artigos de Opinião

Carmen Lima: “Resíduos Urbanos e as perspetivas futuras”

Carmen Lima,
Coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus

A cada dia que passa cada Português produz em mé­dia 1,32 kg de resíduos urbanos, lixo que é produzido em nossas casas e que contribuiu para uma produção anual de 4,75 milhões de toneladas para os quais temos que dar um destino.

Não é tarefa fácil separar os resíduos, a diversidade de materiais, embalagens e equipamentos que possuímos em casa, compostos por uma gama muito variada de componentes, dificulta quando temos que tomar uma decisão para quando estes se transformam em “lixo” e lhes queremos dar uma solução. Queremos sempre doar ou reciclar, mas por vezes não encontramos como.

Por outro lado, ao comprarmos cada vez mais produtos embalados, e não promovermos a reutilização dos nos­sos resíduos, ou até mesmo não conseguirmos recupe­rar por exemplo os equipamentos, conduz a que todos os anos a quantidade de produção destes resíduos au­ mente.

Posto isto, a nossa realidade atual é uma necessidade de tratar 83,5% de resíduos todos misturados, dos quais temos que retirar materiais para reciclar e valorizar, tendo à nossa frente uma meta de reciclagem – reciclar 50% do lixo até 2022. É uma tarefa quase impossível porque atualmente a nossa reciclagem está na ordem dos 40%.

Portugal é um somatório de assime­trias, diferentes realidades caracterizam o nosso território, e aquilo que pode ser uma boa solução numa determinada re­gião, poderá não fazer qualquer sentido noutras. Não podemos generalizar, te­mos que ser criativos na escolha das so­luções adequadas à gestão dos resíduos urbanos, adequando-as a cada realidade e a cada vivência, se queremos obter re­sultados e participação por parte da po­pulação.

Apesar de sabermos que uma parte dos resíduos indiferenciados é sujeito a tria­gem (mecânica e por vezes biológica também) a qualidade dos materiais re­sultante deste processo de separação é reduzida e concorre com os materiais de qualidade superior provenientes de ou­tros Estados-Membros. Além disso, em alguns sistemas municipais os resíduos urbanos que são despejados nestes con­tentores são diretamente encaminhados para deposição em aterro ou incineração.

No Centro de Informação de Resíduos (CIR) da Quercus, temos consciência destas dificuldades, e por acompanhar de perto a realidade da gestão dos resí­duos em Portugal sabemos que as solu­ções existem, mas faltava ligar a procura com a oferta, pelo que desenvolvemos a Wasteapp. – https://www.wasteapp.pt – que é uma aplicação que está disponível para telemóvel (ios e android), bem como pelo acesso através de computador, que disponibiliza o destino para cerca de 50 tipologias de resíduos diferentes, muito fácil de utilizar e que permite indicar o local onde entregar o lixo que possui em casa. Para além de indicar o local, ajuda a chegar lá através da indicação geográ­fica do ponto de entrega através de GPS. Só precisa de pesquisar o que quer dei­tar fora e encontrar o local mais próximo onde o entregar. Poderá ainda esclarecer as dúvidas que ainda tem sobre os resí­duos que deve ou não colocar.

O futuro próximo traz-nos novas metas, no que concerne à preparação para a reu­tilização e reciclagem, nomeadamente: 55% para 2025; 60% para 2030 e 65% para 2035. No caso da deposição de resíduos urbanos em aterro, a meta está fixada nos 10% ou menos da quantidade total de resíduos urbanos produzidos, a atingir até 2035. Ora, o que nos espera é um de­ safio sério na gestão destes resíduos, em conformidade com a hierarquia europeia de gestão de resíduos.

Com estes dados é possível constatar que, atualmente estamos perante uma evolução desfavorável no que respeita ao cumprimento da hierarquia de ges­tão dos resíduos, dado que se verifica um ligeiro aumento da deposição direta em aterro e, por outro lado, a estabiliza­ção da fração recolhida seletivamente para valorização material, face ao total de resíduos, o que contraria a estratégia comunitária e nacional para os resíduos urbanos.

Existem igualmente metas para a reco­lha seletiva de determinadas fileiras de resíduos urbanos, como os bioresíduos, através da implementação de um siste­ma de recolha de bioresíduos até 2023, uma tipologia de resíduos que requer muita atenção dado que atualmente atingem os 46% do total depositado em aterros, muito aquém da meta de 35%, estabelecida para esta fileira de resíduos.

A compostagem é um processo biológi­co, através do qual micro-organismos (como bactérias, fungos e leveduras) transformam matéria orgânica (restos de folhas, comida, etc.), num produto rico em nutrientes e com aspeto de ter­ra, chamado composto, que pode ser uti­lizado para melhorar as características físicas, físico-químicas e biológicas dos solos – agrícolas e/ou florestais.

Com a diminuição do lixo orgânico a ser encaminhado para os aterros, os custos de transporte reduzem significativa­ mente, o que pode ser um incentivo para empresas e câmaras municipais investi­rem em programas de compostagem. O próprio produto da compostagem pode ser uma fonte de rendimento ao ser ven­dido.

É preciso assegurar um maior apoio às autarquias, orientando­ as por forma a promoverem o aumento de respostas na recolha de determinadas tipologias de resíduos e seu encaminhamento adequado. Se não forem oferecidas soluções que garantam a recuperação, reparação, reutilização e mesmo a reciclagem dos materiais e resíduos produzidos nas nossas habitações, é difícil promover as boas práticas circulares junto da população, frustran­do principalmente quem está motivado para os bons comportamentos ambien­tais.


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