Todos os dias somos inundados com notícias alarmantes sobre os impactes das alterações climáticas e dos níveis de poluição atmosférica preocupantes nas zonas urbanas.
As palavras mágicas da “mobilidade verde” e “descarbonização” são frequentemente associadas à “digitalização”, e “intermodalidade” no “ecossistema” urbano. No entanto, estaremos efetivamente a mudar os nossos comportamentos a um ritmo aceitável considerando os atuais desafios?
Evitar ilusões
É essencial ser realista sobre o caminho que estamos a percorrer. Tal realismo é importante, para evitar “limpar consciências” com mini ações ineficazes, ou para evitar desculpar a inação relativamente a políticas que tendem a ser inicialmente impopulares e exigem tempo até se sentirem os seus bons resultados.
Em termos de mobilidade urbana, a ultima década regista evoluções significativas em três dimensões – 1) mobilidade elétrica, 2) micromobilidade, 3) Plataformas de Ride hailing.
Por um lado, é necessário reconhecer que a penetração no mercado de veículos elétricos tende a ter impactos globalmente positivos ao nível da qualidade do ar e ruído das cidades. No entanto, ao nível da segurança rodoviária e ocupação do espaço urbano as diferenças são nulas. Ao nível do ciclo de vida de CO2 os resultados podem ser negativos ou positivos consoante o mix energético nacional ou o perfil de utilização do veículo. Conclusão: numa perspetiva otimista, os veículos elétricos permitem reduzir moderadamente alguns problemas.
É cada vez mais frequente cruzarmo-nos, nas cidades, com utilizadores de trotinetas elétricas e outras formas de micromobilidade. Mas serão estes novos utilizadores maioritariamente antigos utilizadores de carro? A verdade é que uma parte das viagens substituídas por serviços de micromobilidade partilhada derivam de outros modos de transporte sustentáveis (viagens a pé/transporte público). Para efeitos de financiamento, frequentemente fazem-se cálculos simplistas sobre os quilómetros percorridos em modos suaves e as toneladas de CO2 evitadas, assumindo que previamente todos os utilizadores se deslocavam em viatura própria para a mesma viagem, o que não é o caso.
Tal facto não significa que o investimento em infraestruturas urbanas dedicadas a estas soluções seja errado, pois ao garantirmos condições de segurança para os utilizadores de sistemas partilhados, garantimos também melhores condições para os utilizadores de soluções de micromobilidade individual, diminuindo a dependência do veículo privado. No entanto, tais soluções só são verdadeiramente transformadoras se facilitarem o acesso em rede também aos residentes fora dos núcleos urbanos e acompanhadas de sinais coerentes ao nível do planeamento urbano e complementaridade com a rede de transportes público e política de estacionamento.
Outra transformação evidente foi a proliferação de plataformas de mobilidade. No entanto, na maioria dos casos, estas plataformas, que inicialmente se inspiraram no conceito de partilha de viatura, rapidamente se transformaram em serviços de táxi. Os dados de substituição deste modo sugerem que, em muitas cidades, estas plataformas têm contribuído para um aumento dos quilómetros percorridos e do congestionamento. Ou seja, nem sempre a digitalização, só por si, garante um uso mais sustentável das infraestruturas.
Então todo o investimento em mobilidade sustentável é um desperdício?
A resposta clara é – Não. Contudo, necessitamos de estratégias de políticas locais e globais coordenadas com objetivos realistas e alicerçados em estratégias de comunicação eficazes. É importante evitar demagogias e estabelecer mensagens claras aos decisores políticos e aos cidadãos. Por exemplo: “Não queremos proibir os avós de deixarem de carro os netos à porta de escola, mas queremos garantir condições de segurança para que quem pode ir de bicicleta se sinta confortável e seguro”. “Não pretendemos eliminar o carro definitivamente, mas minimizar o seu uso em viagens curtas ou quando existem alternativas de qualidade”.
Sejamos claros, energia barata é um cenário utópico hoje e num futuro próximo. Os recursos são limitados, mas o direito à mobilidade é fundamental. Para resolver este dilema é necessário melhorar o nível de exigência cívico no sentido de reivindicar direitos de acessibilidade a serviços fundamentais com um custo e conforto aceitáveis e não necessariamente visando a reivindicação de combustíveis mais baratos. Porém, este aumento de qualidade de exigência cívica só é alcançável se o espaço de discussão se libertar do nicho da imprensa dedicada, conferencias temáticas e das bolhas das redes sociais.
As tecnologias de informação como fonte de mudança de paradigma?
Para otimizar o sistema de transporte existente, é necessário criar uma rede estruturada e coerente a nível de infraestruturas e serviços. Mais importante é que esses serviços estejam obrigatoriamente disponíveis para consulta e tratamento de informação em formato aberto. Só assim podemos garantir que tiraremos partido de todas as potencialidades da rede.
No final de contas, a nossa escolha de mobilidade recairá sempre na solução mais confortável que podemos pagar. Num novo paradigma de cobrança, em vez de subsidiação exclusiva do sistema de transportes públicos, podem ser implementadas soluções inovadoras baseadas em créditos de mobilidade incluindo serviços mínimos universais e incentivos alinhados com os objetivos de sustentabilidade. Por exemplo, estes créditos podem garantir o acesso a serviços essenciais, preferencialmente em modos de transporte de baixo carbono, mas se tal não for possível, converter-se-iam em outros meios, como táxi ou até viatura própria com vouchers de combustível dedicados. O próprio reconhecimento da aparente insustentabilidade de tal sistema poderia ser o mote para a progressiva reorganização e otimização das alternativas de transporte.