Artigos de Opinião

Rita Castel’ Branco: “Concertação de políticas para um Interior MAIS VIVO”

Rita Castel’ Branco,
Arquitecta, urbanista e especialista em mobilidade urbana

O ano de 2020 marcou uma ruptura nos nossos hábitos e modos de estar, podendo-se afirmar que, sob muitos aspectos, existe um antes e um depois da pandemia. Surgiram novos problemas, mas acima de tudo alertas para problemas há muito existentes e que preferíamos não ver – sendo a desigualdade e o desrespeito pelos ecossistemas do quais dependemos apenas os mais óbvios. Surgiram, também, novas oportunidades: a consciência de que nós, povos do mundo, navegamos no mesmo barco e que apenas com solidariedade e cooperação o podemos levar a bom porto; a noção de que mudanças radicais são possíveis, se indispensáveis à nossa sobrevivência; e a certeza de, que quando os territórios se juntam em torno de uma estratégia comum, todos saem reforçados.

Nesse antes e depois, salta a vista a forma como tantos se adaptaram ao teletrabalho, com vantagens para as empresas e para o equilíbrio entre a vida profissional e familiar. Trabalhar a partir de casa e reunir remotamente significa menos deslocações e, portanto, menos tempo, energia e dinheiro gastos num vai-e-vem que, em muitas profissões, não se justifica. E significa, claro, cidades mais saudáveis e menos CO2 libertado para a atmosfera – numa altura em que, desejavelmente, todos terão percebido que a habitabilidade do mundo que legamos aos nossos filhos depende de atingirmos a breve prazo a neutralidade carbónica.

Se muitos concordam que é importante que continuem a existir dias em que se vai ao escritório, esses mesmos também esperam que exista por parte das empresas a flexibilidade para se trabalhar remotamente nos restantes. Em profissões onde isso é possível, começa a sentir-se uma espécie de claustrofobia quando essa confiança, que provámos merecer, não é dada.

O confinamento tornou óbvia a necessidade que o ser-humano tem de estar ao ar-livre e de se relacionar com a Natureza à qual pertence. Ao mesmo tempo, para algumas famílias, mudar-se para o interior do país tornou-se não apenas desejável, mas também possível num contexto em que o trabalho à distância se vulgarizou – abrindo não apenas a possibilidade de se viver no campo e se estar empregado numa cidade (sem demasiadas deslocações) mas também de se concorrer a uma vaga de emprego num lugar onde não se mora nem se tenciona morar. Tais dinâmicas, permitem-nos perspectivar um território menos assimétrico, onde o peso da habitação no orçamento familiar pode diminuir, uma vez dispersa a procura.

Se por um lado sabemos que o interior precisa de recuperar a sua população, até porque disso depende a salvaguarda do território, e que a vida fora das grandes cidades tende a girar menos em torno do consumo; por outro sabe-se que a densidade urbana favorece a optimização das infraestruturas e uma acessibilidade mais sustentável, já que possibilita boas redes de transporte público e favorece os modos activos de deslocação. No meio desta equação, a aposta talvez deva, por isso, ser feita no sentido de potenciar a atractividade de aglomerados de pequena e média dimensão, capazes de conciliar acessibilidade com sentido de comunidade, serviços essenciais, equipamentos e qualidade de vida. Sem colocar em causa a proximidade de quem vive e trabalha a terra, há que evitar que se acentue a dispersão, até porque o facto de frequentemente se poder construir em terreno agrícola e florestal (variando a relação entre hectares de terreno e metros quadrados de casa) agrava o custo do solo, dificultando a rentabilidade de projectos agrícolas e florestais – o que, em si mesmo, contribui para a improdutividade das terras, para a desqualificação da paisagem e para a abandono do interior que se visa contrariar.

Salientando-se a pertinência do programa Emprego Interior Mais, cujos benefícios podem chegar quase aos 5 000€, questiona-se se não sería importante conciliar políticas, investindo não apenas na deslocação de pessoas mas também na atractividade de territórios específicos que, pelo seu potencial agrícola e florestal, vulnerabilidade, boa acessibilidade ferroviária, localização estratégica, disponibilidade de habitação ou outras, interesse incentivar. A oferta de creches gratuitas, de escolas vanguardistas e de actividades para a infância, que façam com que a vida em tais territórios se traduza numa oportunidade para as famílias e para as crianças que neles crescem (em vez uma limitação) poderá ser um desses incentivos. Com a vantagem de se ligar uma nova geração à terra e a uma natureza que só quem ama preserva.

Para a atractividade de vilas e aldeias do interior poderia também contribuir a criação de pequenos hubs onde se concentrasse a venda de bens essenciais e utilidades, o apoio logístico à compra de bens só disponíveis em aglomerados de maior escala, a prestação de serviços de reparação habitacional básicos, o suporte informático e serviços de apoio à mobilidade, incluindo, por exemplo, transporte a pedido, bicicletas partilhadas e um automóvel eléctrico ao serviço da população. Esta estrutura, que poderia incluir um espaço de cowork ou outro de convívio, concretizaria ainda uma ponte com a loja do cidadão, podendo ser uma versão renovada de uma junta de freguesia, contribuindo para o sentido de comunidade. Não se pretendendo com isto, claro, que o Estado se substitua ao mercado, mas apenas que exerça funções essenciais em lugares onde a iniciativa privada não encontra massa crítica para se fixar.

Em combinação com incentivos diferenciados (consoantes a nova morada, actividade a exercer, existência de crianças ou outros), a concertação de políticas assente numa lógica de push and pull e numa comunicação de excelência, poderia motivar o arranque de um ciclo vicioso positivo. E tornar justificável o investimento em equipamentos “âncora” em determinadas aldeias e vilas, promovendo a sua revitalização e garantindo qualidade de vida às populações.


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