Artigos de Opinião

Filipe Duarte Santos: “Alterações Climáticas, Desafios Atuais e Futuros”

Filipe Duarte Santos
Professor da Universidade de Lisboa, Presidente do CNADS

As alterações climáticas provocadas pelas emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera prove­nientes de algumas atividades humanas constituem um problema crescente que é urgente resolver. O gás com efeito de estufa cujas emissões mais contribuem para a mudança do clima é o dióxido de carbono (CO2), proveniente da combustão dos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – e das alterações no uso do solo à escala global, em particular a desflorestação. Há ainda que considerar as emissões antropogénicas de metano e óxido nitroso que são poderosos gases com efeito de estufa. O aumento da concentração de gases com efeito de estufa aumenta a quantidade de energia retida no sistema climático o que conduz a um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície e à maior intensidade e frequência de even­tos meteorológicos extremos tais como ondas de calor, secas, eventos de precipitação elevada em intervalos de tempo curtos, que provocam enxurradas, inundações e deslizamentos de terra, bem como temporais e ciclo­nes tropicais mais violentos. No período de 2000 a 2019, registaram-se 11000 eventos meteorológicos extremos que causaram mais de 475 000 vítimas mortais e perdas globais estimadas em 2,56 biliões (1012 ou milhões de mi­lhões) de dólares.

A temperatura média global à superfí­cie no ano de 2020 atingiu um máximo igual ao de 2016 de 14,9o C o que corres­ ponde a um aumento de 1,2o C relativa­ mente ao que se considera ser o valor pré-industrial, ou seja, a média do perío­do 1850-1900. Acresce que a década de 2011-2020 foi a mais quente jamais regis­ tada. O Acordo de Paris, obtido em 2015 para travar a mudança climática, tem o objetivo de manter bem abaixo de 2o C o aumento da temperatura média global relativamente ao período pré-industrial e continuar os esforços para limitar esse aumento a 1,5o C acima do nível pré-in­dustrial, reconhecendo que tal irá reduzir significativamente os riscos e os impac­tos das alterações climáticas. Já temos um aumento de 1,2o C pelo que se tornou urgente atuar.

Em junho de 2020 a Sibéria teve uma in­ tensa onda de calor na qual se observou pela primeira vez uma temperatura de 38o C acima do Círculo Polar Ártico na cidade de Verkhoyansk, onde no inver­ no se atingem temperaturas inferiores a -50o C. O ano 2020 foi catastrófico em termos de fogos florestais. Secas seve­ras e temperaturas elevadas em muitas regiões provocaram fogos na Sibéria, nos EUA, onde ardeu a maior área de que há memória totalizando 4,1 milhões de hec­tares e na Austrália onde arderam 18,6 milhões de hectares de floresta e 3500 casas. Cerca de 30% da região do Panta­nal no Brasil ardeu. Portugal teve uma área ardida de 65887 hectares, a segunda maior da UE.

O ano de 2020 foi também o mais tempes­tuoso de que há memória no Atlântico, com 30 tempestades tropicais, 6 furacões de máxima intensidade (categoria 5) e 13 muito intensos. Dois destes furacões, Eta e Iota, devastaram parte do Panamá, Cos­ ta Rica, Honduras, Nicarágua, El Salva­ dor, Guatemala e Belize, sucessivamente no mês de novembro obrigando à deslo­cação de mais de um milhão de pessoas e semeando a malnutrição e a fome. O ciclone Goni ao penetrar nas Filipinas provocou ventos recordes de 315 km/h. Nos EUA o custo da destruição provoca­ da pelos furacões foi avaliado em 37000 milhões de dólares. À escala global, 2020 teve 103 ciclones tropicais quando a mé­dia era no passado de 80. As inundações de junho no rio Yangtzé, China, provoca­ ram 278 mortes, e provocaram prejuízos avaliados em 35000 milhões de dólares de acordo com a Seguradora Aon.

Para travar as alterações climáticas é necessário descarbonizar a economia mundial. Quanto mais tarde se fizer esta transição energética dos combustí­veis fósseis para as energias renováveis maior será o aumento da temperatura média global e mais intensos e frequen­tes os eventos extremos. Para cumprir a meta do Acordo de Paris é necessá­rio descarbonizar a economia global até 2050 o que é extremamente difícil mas não impossível. A UE, bem como alguns países europeus, como é o caso de Portugal, estabeleceram um roteiro para a neutralidade carbónica até 2050.

Para conseguir atingir a neutralidade carbónica é necessário que as pessoas estejam bem informadas sobre os riscos da inação e saibam como podem contri­buir para esse fim individualmente e co­ letivamente.

As áreas urbanas consomem atualmente mais de dois terços da energia gerada à escala mundial e representam mais de 70% das emissões globais de CO2. A per­centagem é maior do que 70% se além das emissões territoriais contabilizar­ mos as emissões resultantes do consu­mo de bens produzidos fora do território urbano. Estas são particularmente ele­vadas nas grandes cidades dos países com economias avançadas onde o ren­dimento per capita é mais elevado e que importam muitos bens de outros países. Contudo as cidades podem contribuir de forma determinante para a solução do problema das alterações climáticas. As Câmaras Municipais têm a capacidade de promover políticas de mitigação (re­dução das emissões) e de adaptação às alterações climáticas no município por meio de regulamentos, instrumentos e políticas no urbanismo, na eficiência energética dos edifícios, no desenvol­vimento de redes elétricas inteligentes, redes de prossumidores (prosumers) de energia elétrica, espaços verdes, trans­ portes públicos com energia elétrica, gestão de resíduos, entre muitos outros domínios. A nível individual é importan­te consumir menos, reutilizar o que seja possível, reparar em lugar de descartar e reciclar.


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