“Quem acredita em crescimento infinito num Planeta fisicamente finito, ou é louco ou economista.”
– Sir David Attenborough
A primeira coisa que me ocorre ao ler este título é a palavra “Ciclo”: produtivo, histórico e natural, quase em jeito de metáfora da dialética da evolução que o filósofo Edgar Morin explora no “O Método II” ao dizer que “as nossas sociedades são auto-eco-re-organizações”. Parágrafo vago que serve apenas para introduzir a ideia de que é possível identificar circularidade em diferentes ciclos históricos e na natureza, e que, na sua origem, está invariavelmente a escassez de recursos e a sobrevivência humana.
Hoje abordamos a escassez de recursos naturais, consequência direta dum sistema de desenvolvimento assente num modelo de produção e consumo massivo, linear, que legitima o descarte rápido programado como forma de gerar riqueza económica. Por cada 150 kg de produtos que vemos nas prateleiras, existem outros 3 mil quilos que não vemos. O mundo produz 3 milhões de toneladas de lixo a cada 24 horas. E estima-se que 2025 duplicará. Do ponto de vista social e humano, as extensas cadeias de valor que alimentam este sistema de produção industrializado escondem abusos de direitos humanos e assimetrias sociais graves.
O sistema capitalista descarta ainda uma força produtiva que à medida que avança na idade é considerada inútil. O aumento da esperança média de vida, o consequente envelhecimento da população no continente europeu e o desenvolvimento acelerado do mercado de trabalho segregam e vulnerabilizam a população inativa, maioritariamente do género feminino, com consequências diretas na sua saúde, nas estruturas sociais e na sustentabilidade financeira dos cofres públicos a médio prazo.
Portanto, a economia circular, conceito popularizado pela Ellen MacArthur Foundation surge para reduzir a extração de recursos naturais e garantir a sua utilização de forma eficiente e sem desperdício, como veículo para um desenvolvimento sustentável, cujas raízes remontam a 1987, e que, Gro Harlem Brutland definiu como “aquele que procura satisfazer as necessidades das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras, visando assegurar a produtividade contínua dos recursos e a conservação/preservação das espécies da fauna e da flora”, fim último dos ODS 2030 das Nações Unidas e uma das premissas da regulamentação europeia e nacional em matéria de economia circular (novo Plano de Ação para a Economia Circular, em Março de 2020 que constitui um dos principais alicerces do Pacto Ecológico Europeu; «Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal»).
Mas apesar de serem claros os objetivos desta transição para a economia circular, de acordo com o The Global Circularity Gap Report, apenas 8.6% do mundo é circular. É que a aplicação prática destas medidas, cuja concretização não é uniforme nem imediata para os diferentes setores de atividade e empresas, levanta inúmeros desafios. Não só não existe uma via única que garanta o êxito das organizações na prossecução deste modelo que deve gerar prosperidade e simultaneamente desacelerar, reduzir ou fechar os ciclos produtivos, como não existem indicadores e métricas claras que permitam medir seu progresso, (sem prejuízo dos avanços da Ellen MacArthur Foundation e da WBCSD, em Portugal). Pese a escassez de dados nesse sentido, nota-se que, talvez por força das metas obrigatórias de reciclagem impostas pela Europa assiste-se a uma maior valorização da reciclagem para a redução de resíduos, em detrimento da reutilização e/ou upcycling.
O upcycling, porém, tem um potencial de impacto muito superior, do ponto de vista ambiental, económico e social. Para além de não exigir extração de novos recursos naturais nem tecnologia muito complexa, garante produtos de maior qualidade e permite ainda integrar recursos humanos cuja requalificação é relativamente ágil. Ao dinamizar comunidades criativas, potencia a troca de recursos, a valorização de saberes tradicionais e a revitalização de diferentes formas de trabalho, tendencialmente excluídas do modelo industrial. Este modelo de desaceleração favorece o desenvolvimento local e a construção de comunidades mais resilientes, colaborativas, numa lógica de economia de proximidade, cujos benefícios ficaram claros durante a pandemia.
Um exemplo claro duma iniciativa que integra recursos estacionados no seu modelo de negócio, envolvendo e influenciando todos os stakeholders e agentes da cadeia de valor é a Vintage for a Cause. Através do upcycling de excedentes têxteis em fase de pré-consumo, num modelo de design colaborativo, influencia empresas e marcas reutilizarem stock morto, abordando modelos de produção mais lentos, capacitando mulheres acima dos 50 anos fora da vida ativa, em parceria com diferentes municípios e agentes locais, para modelos de empregabilidade mais justos e adequados ao seu ritmo e know-how, criando condições para o desenvolvimento de negócios locais similares cujo impacto gerado pode ser tangibilizado nas eco-poupanças de água e de carbono, mas também no aumento de bem-estar da comunidade visada.
É urgente (re)pensarmos o (de)crescimento e a transição para modelos regenerativos que respeitam a (nossa) natureza, sem ignorar o cariz sistémico dos desafios que lhe são inerentes e a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, muito para além da economia e da classificação que lhe possamos dar.