Artigos de Opinião

Alexandra Leitão: “O desafio da economia circular nas cidades”

Alexandra Leitão, Professora na Católica Porto Business School

Mais de metade da população mundial vive atualmente em zonas urbanas, número que se espera venha a ultrapassar os dois terços da população mundial em 2050.  É nas cidades onde ocorre a maior parte da atividade económica e onde é gerado mais de 80% do PIB mundial, desempenhando assim, importante e vital papel no desenvolvimento económico e social dos países.[1]

As cidades consomem 75% dos recursos naturais e geram cerca de 50% da produção global de resíduos.[2] Os níveis atuais de consumo estão a gerar quantidades de resíduos sem precedentes, o que potencia os impactos ambientais negativos da extração dos recursos, o que acresce ao elevado consumo de água e energia nos processos de extração e produção. Estima-se que mais de dois terços da energia mundial seja consumida nas cidades, contribuindo com cerca de 60% a 80% das emissões globais de gases com feito de estufa. Tal verifica-se em apenas cerca de 3% da superfície terrestre, a área ocupada pelas cidades.

Tudo isto resulta em significativa perda de capacidade para que as cidades sejam consideradas como lugares adequados à vida saudável das suas populações. Questões como o tratamento adequado de resíduos, escassez e má gestão de recursos naturais, poluição, congestionamentos nas vias urbanas, criando externalidades com elevados custos sociais, entre outras, são restrições à qualidade de vida da população urbana.

A qualidade e a racionalidade de utilização dos recursos nas cidades são uma questão verdadeiramente crítica. Dado o atual modelo linear de produção e consumo e a evolução esperada da urbanização, vai ser cada vez maior a pressão sobre os recursos e o aumento do desperdício, algo inviável para a sustentabilidade do Planeta.

As cidades precisam definir como prioridade uma transição sistemática do paradigma linear de produção e consumo para um modelo circular, mantendo os recursos e materiais em utilização pelo maior tempo possível, maximizando o seu valor económico. Tal implica um plano holístico que combine estratégias de aumento de produtividade dos recursos, prevenção e gestão de resíduos e aumento de utilização de energia limpa.

A mudança requer os esforços conjuntos de indivíduos, setor privado e setor público. Todos têm um papel a desempenhar na criação de um ambiente propício à transição tão desejada.

Como consumidores, os indivíduos têm um papel chave na alteração de comportamentos e geração de procura. Atualmente, os indivíduos começam lentamente a procurar modelos de produto enquanto serviço, em que os consumidores pagam pela função ou performance do bem, e não pela sua propriedade, evitando custos de manutenção, reparação e de fim de vida útil. Muitos indivíduos estão já conscientes da necessidade de reduzir (ex. evitar a utilização de plásticos), reutilizar (ex. adquirir bens em segunda mão) e reciclar (ex. programas de devolução). Outros Rs, como recuperar, redirecionar, remanufaturar, reformar, reparar, repensar, estão menos difundidos. Antes da reciclagem, estas são vias que devem ser exploradas.

O setor privado deve implementar novos modelos de negócio e projetar os seus produtos incorporando o pensamento circular e criando componentes que possam “fechar o ciclo” na produção. Colaborando com outros atores, como os governos locais, podem desenvolver programas de recuperação dos seus produtos, incentivando ainda mais o desenho e projeção de produtos que podem mais facilmente ser reutilizados e reciclados. Da colaboração com outras organizações privadas podem resultar simbioses industriais, e da colaboração com utilizadores finais pode ser possível a recuperação de bens usados reincorporando-os na cadeia de valor.

O setor público precisa fornecer as infraestruturas adequadas e necessárias e formular políticas e regulamentos que incentivem a inovação e transformação.

Os governos locais estão especialmente bem posicionados para assumir a liderança nesta transição. Embora a sensibilidade dos governos locais esteja a crescer, a verdade é que a maioria não tem ainda noção da urgência desta questão. Tratando-se dos principais responsáveis pela gestão de resíduos ao nível local, têm condições únicas de mapear recursos e colaborar com residentes e empresas na criação de simbioses urbanas e industriais, de modo a “fechar o ciclo” de nutrientes, quer técnicos, quer biológicos.

Devem estabelecer mecanismos de monitorização da utilização de recursos e eficiência com que são utilizados, e estabelecer objetivos, tomando em consideração o contexto local.  Podem dar incentivos ao setor privado, através de subsídios ou incentivos fiscais para a adoção de práticas circulares. Por outro lado, devem eliminar subsídios que encorajam a utilização de recursos ou consumo de energia não renovável e considerar impostos que incorporem externalidades nos mecanismos de preço. Também, podem promover políticas publicas de aquisição de bens e serviços que privilegiem práticas circulares.

O ecossistema de produtores, consumidores e governo local posiciona as cidades de forma única na transição global para uma economia circular. A colaboração de todos os os stakeholders das cidades, cada um trabalhando para acelerar a transição para uma economia circular, permitirá às cidades potenciar a sustentabilidade, trazendo prosperidade aos seus cidadãos no longo prazo dentro dos limites planetários.


[1] World Bank (2020). Urban Development Overview. https://www.worldbank.org/en/topic/urbandevelopment/overview

[2] International Resource Panel (IRP) (2018). The Weight of Cities: Resource Requirements of Future Urbanization. A Report by the International Resource Panel. United Nations Environment Programme, Nairobi, Kenya.

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